Entre os fatores ambientais
internos que afetam os tratamentos biológicos de efluentes temos a temperatura.
É esse assunto que vamos abordar neste segundo blog da série que trata das principais
variáveis desses processos. É bom lembrar que em abril próximo passado falamos
da influência do pH em todas as etapas do tratamento biológico, dando ênfase
aos sistemas de lodo ativado.
É de grande importância um olhar
mais atento para os efeitos da temperatura ao longo de todo e qualquer processo
de tratamento, sejam eles físico-químicos ou biológicos como os de lodo ativado
e UASB, entre outros. Dessa forma devemos considerar as interações da
temperatura no equilíbrio iônico, na solubilidade dos substratos, na velocidade
de degradação dos compostos, na formação dos flocos, na concentração do
oxigênio dissolvido dentro dos flocos e no efluente, na velocidade do
metabolismo das bactérias, etc.
Para início de conversa, no
momento da escolha da tecnologia a ser adotada para tratamento dos efluentes e
esgotos, já se considera o clima local e a temperatura dos despejos que serão
gerados. Ocorre que existe uma faixa de temperatura apropriada para cada tipo
de atividade biológica envolvida em determinado processo.
Como exemplo, vejamos a digestão
anaeróbica. Nela, a maioria das espécies de bactérias metanogênicas têm
crescimento viável na faixa mesofílica, entre 20 a 40oC, e na
termofílica, entre 50 a 60 oC, de acordo com o Manual de Tratamento de
Efluentes Industriais, de José Eduardo W. de A. Cavalcanti.
A digestão anaeróbica ocorre
dentro de reatores específicos e mesmo dentro de simples tanques sépticos. Em
países com invernos rigorosos, a baixa temperatura pode inviabilizar a
atividade microbiológica dos esgotos. Nesses locais, costumam aquecer os
efluentes na etapa inicial do tratamento para estimular a atividade das
bactérias.
Temperatura fahrenheit X celsius |
Por sua vez, a digestão aeróbica
também tem suas particularidades. O processo de tratamento por lodos ativados,
por exemplo, é quase sempre bastante flexível em suas variantes, podendo se
adaptar as características de cada tipo de despejo e a qualidade exigida para o
efluente tratado. No quesito temperatura, considera-se que a faixa ideal de
operação para se obter o crescimento bacteriano esteja entre 25 e 35 oC.
Nas estações modernas de
tratamento de efluentes da indústria brasileira de celulose, normalmente é
recomendada a faixa entre 35 e 38 oC para o crescimento eficiente das
bactérias mesófilas. Porém, David Charles Meissner, em seu livro “Tratamento de
Efluentes nas Indústrias de Papel e Celulose – Alguns Conceitos Básicos e
Condições Operacionais”, registra que constatou em várias plantas e durante
períodos de semanas, tanques de aeração operados com temperaturas estabilizadas
ao redor de 42 oC sem grandes efeitos negativos. Entende-se que isso
seja possível devido a um processo seletivo e adaptação biológica das bactérias
dentro dos tanques de aeração.
Em suas considerações, David
apresenta os principais motivos para se controlar a temperatura interna desses
processos. Além da razão mais óbvia de favorecer o desenvolvimento da vida e o
crescimento das bactérias no tratamento biológico, existe também a necessidade
de minimizar os efeitos da corrosão e incrustação.
Os problemas de corrosão de
tanques e danos aos equipamentos se aceleram com o aumento da temperatura.
Quanto a incrustação, a temperatura maior reduz a solubilidade do carbonato de
cálcio, aumentando a tendência de formar incrustações, que causam muito danos
as tubulações e equipamentos como bombas, válvulas e mangueiras de aeração.
Quem já presenciou situações de
entupimento de tubulações de efluentes causadas por incrustação em uma ETE, sabe
a trabalheira que isso dá, além dos indesejáveis custos operacionais extras.
Sempre será necessário monitorar
e controlar a temperatura ao longo de todo o processo. No tratamento
secundário, as bactérias adsorvem os sólidos suspensos e dissolvidos no
efluente e produzem enzimas durante os processos de degradação dos compostos, de
nutrição das células e de crescimento bacteriano. São essas enzimas específicas
que promovem a aglutinação das bactérias que formarão os flocos. Ocorre que se
a temperatura ultrapassar sua faixa ótima para o crescimento microbiano, poderá
ocorrer a destruição de tais enzimas (e até das bactérias) e fazer baixar a
taxa de reações biológicas, prejudicando a formação dos flocos de lodo ativado.
Existem outras implicações da
temperatura no sistema aeróbio de tratamento dos dejetos líquidos. Uma delas é
que a temperatura mais alta provoca a redução da taxa de transferência do
oxigênio para o líquido misto e também para dentro das células das bactérias, podendo
aumentar os custos operacionais e diminuir a eficiência da depuração da matéria
orgânica. Outro exemplo, é sua influência na taxa de crescimento dos organismos
nitrificantes e na taxa de oxidação da amônia. Esses tópicos serão abordados em
blogs específicos mais tarde, dada a importância que têm nesse processo.
Também é bom lembrar que os
micro-organismos precisam de mais tempo para se adaptar a mudanças súbitas de
temperatura quando elas estão mais elevadas. Porém sua influência diminui com o
aumento da idade do lodo (Eckenfelder, 1980). Isso acontece porque grande parte
da DBO suspensa é removida fisicamente por adsorção no floco, o que independe
da temperatura (Princípios do Tratamento Biológico de Águas Residuárias - Lodos
Ativados, Marcos Von Sperling).
Mas então, como é feito o ajuste
e o controle da temperatura para a faixa ideal de trabalho?
Normalmente são utilizados
aquecedores ou torres de resfriamento. As torres podem ser do tipo fluxo
cruzado ou em contracorrente, conforme exemplifica David C. Meissner nas
páginas 42 e 43 de seu livro.
Nesta referência é feito a
observação de que a necessidade de baixar a temperatura dos efluentes para
poder tratá-los representa certa ineficiência energética do processo fabril. Literalmente
temos energia excedente se esvaindo nas torres de resfriamento. Se essa perda
energética fosse reduzida dentro dos processos produtivos, resultaria em ganhos
financeiros e em redução dos impactos ambientais, pois deixaria de dispensar o
calor e os aerossóis de efluente sem tratamento na atmosfera.
Em breves pinceladas, foram
apresentados os principais efeitos da temperatura em uma ETE. Devido a sua
importância, o monitoramento e controle se faz necessário em pontos específicos
de cada processo de tratamento. De forma geral, a medição da temperatura é
feita no efluente bruto que entra na estação, no efluente neutralizado antes da
torre de resfriamento, na entrada do tratamento biológico, dentro dos tanques
de aeração e na saída da estação. O pessoal da operação da ETE deve estar
sempre atento a essas medições. Deve
agir na eminência de grandes oscilações de temperatura a montante do tratamento
biológico para evitar distúrbios no crescimento da biomassa e perda de
eficiência na depuração. Finalmente, a temperatura do efluente tratado na saída
da estação deve atender as exigências legais.
Tudo o que foi exposto acima
justifica a necessidade de um olhar mais apurado a essa importante variável. O
correto monitoramento e controle da temperatura irá refletir positivamente nos
resultados do processo de tratamento dos efluentes.
Autor:
José
Leonardo da Silva Cardoso
Gestor
Ambiental e Diretor Técnico da Biotrakti
Nenhum comentário:
Postar um comentário