sexta-feira, 30 de agosto de 2019

A Importância do Controle da Temperatura no Tratamento de Efluentes


Entre os fatores ambientais internos que afetam os tratamentos biológicos de efluentes temos a temperatura. É esse assunto que vamos abordar neste segundo blog da série que trata das principais variáveis desses processos. É bom lembrar que em abril próximo passado falamos da influência do pH em todas as etapas do tratamento biológico, dando ênfase aos sistemas de lodo ativado.

É de grande importância um olhar mais atento para os efeitos da temperatura ao longo de todo e qualquer processo de tratamento, sejam eles físico-químicos ou biológicos como os de lodo ativado e UASB, entre outros. Dessa forma devemos considerar as interações da temperatura no equilíbrio iônico, na solubilidade dos substratos, na velocidade de degradação dos compostos, na formação dos flocos, na concentração do oxigênio dissolvido dentro dos flocos e no efluente, na velocidade do metabolismo das bactérias, etc.



Para início de conversa, no momento da escolha da tecnologia a ser adotada para tratamento dos efluentes e esgotos, já se considera o clima local e a temperatura dos despejos que serão gerados. Ocorre que existe uma faixa de temperatura apropriada para cada tipo de atividade biológica envolvida em determinado processo.

Como exemplo, vejamos a digestão anaeróbica. Nela, a maioria das espécies de bactérias metanogênicas têm crescimento viável na faixa mesofílica, entre 20 a 40oC, e na termofílica, entre 50 a 60 oC, de acordo com o Manual de Tratamento de Efluentes Industriais, de José Eduardo W. de A. Cavalcanti.

A digestão anaeróbica ocorre dentro de reatores específicos e mesmo dentro de simples tanques sépticos. Em países com invernos rigorosos, a baixa temperatura pode inviabilizar a atividade microbiológica dos esgotos. Nesses locais, costumam aquecer os efluentes na etapa inicial do tratamento para estimular a atividade das bactérias.

Temperatura fahrenheit X celsius
Por sua vez, a digestão aeróbica também tem suas particularidades. O processo de tratamento por lodos ativados, por exemplo, é quase sempre bastante flexível em suas variantes, podendo se adaptar as características de cada tipo de despejo e a qualidade exigida para o efluente tratado. No quesito temperatura, considera-se que a faixa ideal de operação para se obter o crescimento bacteriano esteja entre 25 e 35 oC.

Nas estações modernas de tratamento de efluentes da indústria brasileira de celulose, normalmente é recomendada a faixa entre 35 e 38 oC para o crescimento eficiente das bactérias mesófilas. Porém, David Charles Meissner, em seu livro “Tratamento de Efluentes nas Indústrias de Papel e Celulose – Alguns Conceitos Básicos e Condições Operacionais”, registra que constatou em várias plantas e durante períodos de semanas, tanques de aeração operados com temperaturas estabilizadas ao redor de 42 oC sem grandes efeitos negativos. Entende-se que isso seja possível devido a um processo seletivo e adaptação biológica das bactérias dentro dos tanques de aeração.

Em suas considerações, David apresenta os principais motivos para se controlar a temperatura interna desses processos. Além da razão mais óbvia de favorecer o desenvolvimento da vida e o crescimento das bactérias no tratamento biológico, existe também a necessidade de minimizar os efeitos da corrosão e incrustação.

Os problemas de corrosão de tanques e danos aos equipamentos se aceleram com o aumento da temperatura. Quanto a incrustação, a temperatura maior reduz a solubilidade do carbonato de cálcio, aumentando a tendência de formar incrustações, que causam muito danos as tubulações e equipamentos como bombas, válvulas e mangueiras de aeração.

Quem já presenciou situações de entupimento de tubulações de efluentes causadas por incrustação em uma ETE, sabe a trabalheira que isso dá, além dos indesejáveis custos operacionais extras.

Sempre será necessário monitorar e controlar a temperatura ao longo de todo o processo. No tratamento secundário, as bactérias adsorvem os sólidos suspensos e dissolvidos no efluente e produzem enzimas durante os processos de degradação dos compostos, de nutrição das células e de crescimento bacteriano. São essas enzimas específicas que promovem a aglutinação das bactérias que formarão os flocos. Ocorre que se a temperatura ultrapassar sua faixa ótima para o crescimento microbiano, poderá ocorrer a destruição de tais enzimas (e até das bactérias) e fazer baixar a taxa de reações biológicas, prejudicando a formação dos flocos de lodo ativado.

Existem outras implicações da temperatura no sistema aeróbio de tratamento dos dejetos líquidos. Uma delas é que a temperatura mais alta provoca a redução da taxa de transferência do oxigênio para o líquido misto e também para dentro das células das bactérias, podendo aumentar os custos operacionais e diminuir a eficiência da depuração da matéria orgânica. Outro exemplo, é sua influência na taxa de crescimento dos organismos nitrificantes e na taxa de oxidação da amônia. Esses tópicos serão abordados em blogs específicos mais tarde, dada a importância que têm nesse processo.

Também é bom lembrar que os micro-organismos precisam de mais tempo para se adaptar a mudanças súbitas de temperatura quando elas estão mais elevadas. Porém sua influência diminui com o aumento da idade do lodo (Eckenfelder, 1980). Isso acontece porque grande parte da DBO suspensa é removida fisicamente por adsorção no floco, o que independe da temperatura (Princípios do Tratamento Biológico de Águas Residuárias - Lodos Ativados, Marcos Von Sperling).

Mas então, como é feito o ajuste e o controle da temperatura para a faixa ideal de trabalho?

Normalmente são utilizados aquecedores ou torres de resfriamento. As torres podem ser do tipo fluxo cruzado ou em contracorrente, conforme exemplifica David C. Meissner nas páginas 42 e 43 de seu livro.

Nesta referência é feito a observação de que a necessidade de baixar a temperatura dos efluentes para poder tratá-los representa certa ineficiência energética do processo fabril. Literalmente temos energia excedente se esvaindo nas torres de resfriamento. Se essa perda energética fosse reduzida dentro dos processos produtivos, resultaria em ganhos financeiros e em redução dos impactos ambientais, pois deixaria de dispensar o calor e os aerossóis de efluente sem tratamento na atmosfera.

Em breves pinceladas, foram apresentados os principais efeitos da temperatura em uma ETE. Devido a sua importância, o monitoramento e controle se faz necessário em pontos específicos de cada processo de tratamento. De forma geral, a medição da temperatura é feita no efluente bruto que entra na estação, no efluente neutralizado antes da torre de resfriamento, na entrada do tratamento biológico, dentro dos tanques de aeração e na saída da estação. O pessoal da operação da ETE deve estar sempre atento a essas medições.  Deve agir na eminência de grandes oscilações de temperatura a montante do tratamento biológico para evitar distúrbios no crescimento da biomassa e perda de eficiência na depuração. Finalmente, a temperatura do efluente tratado na saída da estação deve atender as exigências legais.

Tudo o que foi exposto acima justifica a necessidade de um olhar mais apurado a essa importante variável. O correto monitoramento e controle da temperatura irá refletir positivamente nos resultados do processo de tratamento dos efluentes.


Autor:
José Leonardo da Silva Cardoso
Gestor Ambiental e Diretor Técnico da Biotrakti

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