domingo, 30 de junho de 2019

Saneamento Básico e Políticos – Público ou Privado

Comentários Revisitados

Um “rant” pessoal e raivoso de um velho hippie com atuação técnico ambientalista 

Este velho rabugento está com mais raiva ainda. Está em progresso um processo de atualização do Marco Legal do Saneamento Básico Lei 11.445/2007. As falhas na política atual são evidentes e bem explicitadas num artigo publicado na Folha de São Paulo, no dia 4 de junho de 2018 (sem-nova-lei-gigantes-do-saneamento-veem-investimentos-restritos): Aqui cito somente um exemplo do descaso generalizado: “Dados do IBGE mostram que, em 2018, 66% dos domicílios do país tinham acesso a rede geral ou ligada à rede para escoamento de esgoto”.

Segue em adição, um resumo de alguns acontecimentos recentes.


1.       ATUALIZAÇÃO
1.1.    No final do governo Temer, foi editada a Medida Provisória 868/2018, que em 2019 caducou por não ser formalizada em lei pelo congresso nacional a tempo.
1.2.    O projeto que atualiza o Marco Legal do Saneamento Básico (PL 3.261/2019) foi apresentado pelo Senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), O Senado aprovou com urgência o projeto que retoma a essência do MP do saneamento básico e transformou no projeto de lei. Este projeto já foi aprovado com urgência pelo Senado e enviado ao Câmara dos Deputados.
1.3.    Perdido na Câmara dos Deputados Federal: A situação atual da MP original é bem apresentada numa referência encontrada no site chamada Ecodebate, (PL que institui novo marco legal para saneamento básico no país chega à Câmara dos Deputados sob críticas de todos os lados). Atualmente, segundo o site Ecodebate: “o projeto de lei ainda aguardava distribuição para as comissões temáticas”.
1.4.    A falta de investimentos em saneamento básico é, também, bem explicitada na referência da Folha de S.P. inicialmente citada acima. Também, as razões desta insuficiência não são difíceis de levantar-se, iniciando com as falhas no próprio Marco Legal do Saneamento Básico Lei 11.445/2007 original. Porém, vale destacar que a falta de saneamento básico no Brasil, vem de longa data e, acho que posso dizer que, é intrínseca ao subdesenvolvimento do país.
1.5.    O novo projeto do Senador Tasso Jereissati pretende flexibilizar a contratação das obras e a operação dos sistemas de saneamento básico. O projeto permitirá uma maior concorrência na contração dos projetos pela estados e municípios com as empresas estudais e privadas. Também permite e até incentiva, a formação de projetos e sistemas multi-municipais e por bacia hidrográfica.
1.6.    Mais Raiva: As razões desta minha raiva fundamentam-se na simplificação dos argumentos contra as melhorias no novo Marco Legal proposta e que podem ser resumidas assim:
1.6.1.Nacionalismo e Corporativismo: só para citar dois exemplos em relação a esses conceitos, pode-se verificar que são frequentes os comentários pelos opositores às modificações como “O projeto permitirá a privatização da água”, e o fato que os funcionários da SABESP estão contra as modificações do Marco Legal.
1.6.2.Tratamento do esgoto: Os atores principais, incluindo a própria Folha de São Paulo me deixam mais raivoso. É muito fácil perceber nas reportagens e programas, a simplificação de que basta ligar canos de esgoto às casas para que se resolva o problema de saneamento básico. A ignorância, proposital ou não, quanto ao fato de que existem grandes dificuldades físicas e financeiras para tratar o esgoto coletado antes de lançado no meio ambiente me deixa ainda com mais raiva.

2.       Pesquisas da Literatura e Referências:

2.1.    Partindo de um estudo realizado por Elisa Meyer, em Privatization Of Water Treatment In The U.S., observa-se que a análise sobre a privatização do serviço de tratamento de água requer muitas ponderações. Se você também tem dúvidas quanto à melhor opção de tratamento de água, sugiro que leia o artigo da autora. São apenas três páginas! Mas, novamente, para nosso próprio benefício - meu e seu caro leitor - vou resumir e comentar os principais pontos e informações apresentados por Meyer.

A autora apresenta inicialmente quatro tipos comuns de privatização que são considerados como opção para o tratamento da água nos EUA:

·         Terceirização de serviços de suporte a serviços públicos para empresas privadas;
·         As empresas privadas operam e gerenciam obras de tratamento público;
·         Contratos de projetos de construção e operação;
·         Venda de ativos de água de propriedade do governo para empresas privadas.

Segundo a autora, somente na quarta opção, todos os riscos e a responsabilidade são transferidos para uma empresa privada. Ao analisar as razões para não privatizar os sistemas de tratamento de águas, Meyer aponta os seguintes motivos:

Ø  Redução da responsabilidade pública: as empresas privadas podem ser tão "lucrativas" que não agem no melhor interesse do público;

Ø  Impacto para famílias de baixa renda: a incapacidade de pagar serviços de água e a falta de envolvimento do governo podem afetar as famílias de baixa renda;

Ø  Taxas mais elevadas: os dados de países e estados que privatizaram o tratamento da água tendem a apoiar a ideia de que a água privatizada atinge um custo maior de utilidade para os cidadãos;

Ø  Falta de preocupação com questões locais: as empresas com capital para investir em operações de água são muitas vezes nacionais ou internacionais, com interesses correspondentes. Para a autora as empresas citadas por escândalo na França, são operadoras mundiais.
Ø  Redução de benefícios para os trabalhadores: um relatório de 2009, Water Privatization Threatens Workers, Consumers and Local Economies, publicado pela Food and Water Watch,  mostra que os benefícios, a cobertura do seguro de saúde e a adesão ao sindicato caíram ou foram significativamente menores nas estações de tratamento de água de manejo privado do que naquelas executadas publicamente. Esse relatório aponta que essas mudanças afetam a economia em geral, impactando-nos.
2.2.    Avaliando os cinco itens contra a privatização apontados por Meyer sinto que tudo pode ser minimizado com o controle e regulamentação do governo, incluindo uma sistemática auditoria. Aliás, a própria autora menciona um artigo de Rubenstein (2000), THE UNTAPPED POTENTIAL OF WATER PRIVATIZATION, que avalia que a regulamentação do governo é sempre necessária, particularmente no que diz respeito ao tratamento da água.

Em relação às razões favoráveis a privatização dos sistemas de tratamento de águas, Meyer aponta os seguintes motivos:

Ø  Eficiência: os contratantes privados de água são motivados a maximizar a eficiência para maximizar o lucro, enquanto as operações administradas pelo governo não têm essa preocupação;

Ø  Segurança da água: uma vez que as empresas privadas são responsáveis pela segurança e qualidade da água, elas são motivadas para garantir a segurança;

Ø  Benefícios financeiros: dependendo do acordo, o pagamento antecipado das empresas que alugam ativos da cidade pode ser uma excelente fonte de fundos para o governo reinvestir;

Ø  Redução dos custos do setor público: a contratação de serviços de água a empresas privadas reduz a quantidade de salários, benefícios, compensação de trabalhadores e outras despesas que devem ser pagas para os funcionários públicos;

Ø  Especialização: alguns advogados argumentam que os empreiteiros privados trazem empregados mais especializados e conhecimento para as operações de água do que as operadoras públicas;

Ø  Menos burocracia: o governo pode ser lento, burocrático e ineficiente, devido a regulamentos e à falta de responsabilidade direta. Isso geralmente não é o caso dos contratados privados.

Essas seis razões a favor do serviço privatizado para o tratamento de água apontadas por Meyer podem ser facilmente comparadas com as cinco razões contra a privatização. A solução para maximizar as seis e minimizar as cinco seria criar uma organização responsável pela supervisão e regulação de empresas privadas. Gostaria de acrescentar que esta supervisão deveria ser realizada no nível mais local possível, incluindo o máximo de contato direto com a população servida. No entanto, isso me parece longe de ser facilmente alcançado, particularmente no Brasil.
2.3.    Também, um estudo interessante de Andrea Kopaskie sobre como os Estados Unidos administram e operacionalizam o seu sistema de água pode ser encontrado no Blog de Finanças Ambientais. Este blog tem uma legenda que provoca muitas reflexões a respeito: "Como você paga é importante". Segundo o estudo de Kopaskie, mesmo nos EUA, que valoriza o capitalismo e a privatização dos serviços apenas cerca de 12% da população nacional é servida por sistemas de tratamento de água com controle privado. O estudo termina com uma advertência sobre toda a discussão que realizamos, apontando que: "A eficiência, o custo e as margens de renda são questões de debate, e é difícil dizer que tipo de opção - pública ou privada - é necessariamente melhor para a sociedade".

3.       CONCLUSÕES – PESSOAIS
Então, depois de todas essas reflexões, o que eu penso? Aqui apresento duas conclusões pessoais sobre como e porque o serviço de tratamento de água, esgoto e os resíduos sólidos deveriam ou não ser privatizado.  

Primeiro eu não me basearia em um argumento de tipo "nacionalista", ou seja, só porque o controle é estatal ele é melhor, ou que o controle estatal é uma necessidade.

Segundo eu votaria em FAVOR de propostas que possam mostrar uma experiência real contínua com resultados de baixo custo e eficiente, não só operacionalmente, mas também em termos de retorno social. Eu acredito que tanto o serviço oferecido pelo Estado quanto o oferecido pela iniciativa privada precisam ser muito bem supervisionados pelos próprios usuários. Entretanto, a forma desta supervisão depende de implementação de sistema bem regulamentado pelo governo.

Enfim, acrescentando as reflexões aqui colocadas, gostaria de enfatizar que o custo da água deve ter um valor real, sem subsídios. Defendo essa ideia porque ao subsidiar o custo da água para os menos afortunados, também estaríamos subsidiando a população mais abastada. Além disso, um custo menor que o valor real da água induz ao desperdício por parte de todos os usuários. O argumento de que a população de baixa renda não consegue arcar com o custo da água deve ser resolvida com melhores salários, ou com programas especiais de complementação de renda familiar.

É importante deixar claro que acredito fortemente na redução das desigualdades sociais e econômicas entre os indivíduos que compõe uma sociedade. Parece-me que o objetivo da sociedade é promover oportunidades iguais em educação, saúde, moradia, segurança, etc. No entanto, este não é o lugar para definir o que é "justiça social" e como ela deve ser alcançada.

Esses são meus sentimentos sobre o assunto.


Autor: David Charles Meissner

É dono da DCMEvergreen – Environmental Consulting Services.

Formado em Química na Michigan State University, East Lansing (Mi USA)

Mestrado em Química Orgânica pelo ITA-CTA, S.J. dos Campos, SP – Brasil.






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