Estamos completando o ciclo de publicações
aqui apresentado durante o ano. Depois de explorar temas como a utilização de
cisternas, aproveitamento das águas pluviais e outros, iremos dar continuidade
a esta relação trazendo um pouco da história, aplicação e processo da
tecnologia dos filtros lentos de areia.
É com prazer que reabrimos nossa
pasta contendo centenas de artigos pesquisados sobre o tema. Disso tudo, vamos
extrair apenas o essencial que possa compor o formato de duas ou três laudas
deste blog. Esperamos que possa ser útil a você, caro leitor.
Nosso estudo sobre a tecnologia
dos filtros lentos de areia começou no ano passado. Na época, havíamos sido convidados
pela Secretaria de Desenvolvimento Social da Prefeitura de Ilhabela para
desenvolver um projeto técnico-ambiental de saneamento relacionado a captação,
tratamento e distribuição de água potável e de uso geral para a pequena
comunidade da Ilha da Vitória. Lá viviam
57 ilhéus, sem saneamento adequado e longe de um centro médico equipado para as
eventualidades causadas por doenças transmitidas por águas contaminadas.
Depois, foram feitas algumas
adaptações ao trabalho e o material produzido foi apresentado em agosto desse
ano por David C. Meissner na American Chemical Society, em Boston, sob o título
de “Study for a low-cost alternative to treat water on an island off the
southeastern Brasilian coast”.
As principais justificativas para
escolha da tecnologia dos filtros lentos de areia (FLA) foram sua robustez,
fácil implantação e operação, pouca necessidade de manutenção e baixo consumo
de energia (alternativa). Outra
importante vantagem atribuída a esse sistema de tratamento de água é sua elevada
eficiência na remoção de bactérias, vírus e cistos de Giárdia.
Um pouco de história:
Os filtros de areia começaram a
ser utilizados na Veneza do século VI, onde a água da chuva das ruas era
captada e direcionada a um sistema de filtragem em areia e armazenamento em
cisternas. Com essa configuração, esse sistema foi se espalhando pelo
Mediterrâneo.
A tecnologia de filtragem evolui
e em 1804 na Escócia, John Gibbs utiliza pela primeira vez a filtragem lenta na areia. Em 1820, o sistema é
implantado em Londres pela Chelsea Water Works Company, para filtrar a água
poluída e turva do rio Tâmisa. Em 1832, é a vez dos Estados Unidos aplicarem
esse tratamento as águas de Richmond, VA. Até então, os motivos de tratamento
das águas eram apenas os aspectos estéticos.
Nos anos 1880, o cientista alemão
Robert Koch demonstrou que as bactérias presentes na água poderiam causar
doenças. As pesquisas continuaram nas cidades de Hamburgo e Altona que captavam
água do rio Elba e em 1892 foi confirmada e eficiência dos filtros lentos de
areia para remoção das bactérias. Daí sua utilização se espalhou pelo mundo
afora.
Esse sistema foi utilizado nos
Estados Unidos até os anos 1910. Logo entrou em desuso devido a fatores como o
crescimento das cidades, a necessidade de grandes espaços físicos para a
construção de novas estações de tratamento de água e a chegada de novas tecnologias
mais compactas, como os filtros rápidos de areia e os tratamentos físico-químicos.
Porém, devido a facilidade com que retêm micro-organismos, baixo custo de
implantação e fácil operação, os filtros lentos de areia estão de volta e se
mostram muito úteis para pequenas comunidades afastadas dos grandes centros e
que precisam adequar seu saneamento as metas do país.
Aplicação dos FLAs:
Os filtros lentos podem tratar
água da chuva captada nos telhados para ser utilizada em piscinas, lavagem de
roupas, carros, etc. Também podem tratar águas de fontes, lagos e cisternas para
fins potáveis. Eles podem ser instalados no ponto de uso de residências, para abastecimento
público, comercial ou industrial.
São considerados limites de
utilização dos FLAs, a turbidez da água a ser tratada que se aproxima de 10 ppm
e a contagem de 2.000 bactérias por ml. Nesses casos, são adotadas taxas de
filtração em torno de 3,0 m³/m².dia.
Conforme indicado na página 871
da 2ª edição de “Técnica de Abastecimento e Tratamento de Água” – CETESB, os
filtros lentos de areia têm capacidade de remoção de 100% de turbidez, 96% de
bactérias, 60% de ferro e entre 20 e 30% de cor. Outras literaturas apontam
para a capacidade de remoção de até 99% de bactérias.
Processo:
A filtração lenta é muito
atrativa para fornecer água potável a pequenas comunidades afastadas das redes
de distribuição. Além de ser de fácil construção, operação e manutenção, sua
implantação é de baixo custo e produz água pouco corrosiva por não necessitar
de coagulantes e produtos químicos em seu processo de tratamento.
São conhecidos vários tipos de
filtros lentos de areia. Entre eles, temos os de fluxo descendente ou
convencionais, os de fluxo ascendente, os filtros lentos dinâmicos – este
utilizado quando necessário como uma etapa da filtração em múltipla etapa
antecedendo os pré-filtros, que por sua vez antecedem os filtros lentos.
Lembrando que para a Ilha da
Vitória, dimensionamos um sistema de filtração em múltipla etapa, constituído
de filtros lentos dinâmicos que seriam alimentados pelos lagos e fontes da
vila, seguido de pré-filtro e filtro lento descendente. O propósito foi o de
minimizar os picos de turbidez das águas superficiais existentes no local antes
de sua chegada ao filtro lento de areia. Para finalizar e garantir a
potabilidade, seria adicionado um sistema de filtragem com carvão de bambu,
caso as análises de controle de qualidade da água tratada determinem sua necessidade.
Para nosso projeto, escolhemos a
filtragem lenta descendente porque esse sistema desenvolve um biofilme na
superfície da areia do filtro que auxilia na máxima remoção de bactérias, vírus
e cistos. Esse biofilme, conhecido como schmutzdecke,
vai se formando durante o período inicial de cada campanha do filtro, que
dependendo da vazão e qualidade da água, vai de 10 a 20 dias de operação. A
água processada nesse período só pode ser usada para fins não potáveis.
O schmutzdecke se constitui de bactérias, fungos, protozoários,
rotíferos e uma gama de larvas de insetos aquáticos. Conforme o biofilme
envelhece, mais algas se desenvolvem e aparecem também organismos aquáticos
maiores como bryozoa, caracóis e anelídeos.
É essa camada - também chamada
área de coesão - que proporciona a purificação efetiva para produção de água
potável. A areia fina subjacente serve como meio de suporte para essa camada de
tratamento biológico. Conforme a água passa pelo schmutzdecke, as partículas de matéria estranha ficam presas na
matriz de mucilagem e o material orgânico solúvel é adsorvido. Assim os
contaminantes são metabolizados pelas bactérias, fungos e protozoários que
reduzem em até 99% a contagem de células bacterianas da água processada. Fe, Mn
e Si também ficam retidos nessa camada.
Existem outras duas zonas de
filtração biológica chamadas autotrófica e heterotrófica. Na primeira, que fica
logo abaixo da camada de coesão, ocorre a síntese de matéria orgânica a partir
de substâncias simples com H2O e CO2, com fornecimento de
O2. Na segunda, que se estende até 40 cm abaixo na areia fina, ocorre a mineralização
e a conversão da matéria orgânica em H2O, CO2, nitratos e
fosfatos.
Cada campanha do filtro pode
durar entre 4 e 6 meses. O momento de limpeza do leito do filtro pode ser
definido como aquele em que a taxa de filtração projetada exija a total
abertura da válvula de regulagem na saída do equipamento ou através da perda de
qualidade da água tratada detectada por análise regular.
O processo de limpeza exige o
corte de alimentação, drenagem do sobrenadante e da água até 10 cm abaixo no
leito de areia. Isso feito, procede a retirada do schmutzdecke desaguado junto com 2 a 4 cm da camada superior do
leito de areia. Terminada a etapa de limpeza, o filtro pode ser realinhado para
nova campanha que se inicia com o período de formação do novo biofilme.
A eficiência da filtragem lenta
com areia depende do correto dimensionamento do sistema, da adaptação às particularidades
do local onde será implantada e de um bom planejamento operacional e de
manutenção periódica, que exige apenas atenção e capricho dos responsáveis.
O espaço de nosso blog não
nos permite abrir mais o leque de detalhes técnicos. Porém, se o leitor desejar,
poderá obter informações mais completas em Slow Sand Filtration, de L. Huisman.
Também poderá interagir conosco, através de e-mail, telefone ou mesmo fazer
comentários nesta página. Fique à vontade e até a próxima.
José Leonardo Cardoso
Diretor
Técnico da Biotrakti
Nenhum comentário:
Postar um comentário