sábado, 29 de dezembro de 2018

Aplicação dos Filtros Lentos de Areia

Estamos completando o ciclo de publicações aqui apresentado durante o ano. Depois de explorar temas como a utilização de cisternas, aproveitamento das águas pluviais e outros, iremos dar continuidade a esta relação trazendo um pouco da história, aplicação e processo da tecnologia dos filtros lentos de areia.

É com prazer que reabrimos nossa pasta contendo centenas de artigos pesquisados sobre o tema. Disso tudo, vamos extrair apenas o essencial que possa compor o formato de duas ou três laudas deste blog. Esperamos que possa ser útil a você, caro leitor.


Nosso estudo sobre a tecnologia dos filtros lentos de areia começou no ano passado. Na época, havíamos sido convidados pela Secretaria de Desenvolvimento Social da Prefeitura de Ilhabela para desenvolver um projeto técnico-ambiental de saneamento relacionado a captação, tratamento e distribuição de água potável e de uso geral para a pequena comunidade da Ilha da Vitória.  Lá viviam 57 ilhéus, sem saneamento adequado e longe de um centro médico equipado para as eventualidades causadas por doenças transmitidas por águas contaminadas.

Depois, foram feitas algumas adaptações ao trabalho e o material produzido foi apresentado em agosto desse ano por David C. Meissner na American Chemical Society, em Boston, sob o título de “Study for a low-cost alternative to treat water on an island off the southeastern Brasilian coast”.

As principais justificativas para escolha da tecnologia dos filtros lentos de areia (FLA) foram sua robustez, fácil implantação e operação, pouca necessidade de manutenção e baixo consumo de energia (alternativa).  Outra importante vantagem atribuída a esse sistema de tratamento de água é sua elevada eficiência na remoção de bactérias, vírus e cistos de Giárdia.


Um pouco de história:

Os filtros de areia começaram a ser utilizados na Veneza do século VI, onde a água da chuva das ruas era captada e direcionada a um sistema de filtragem em areia e armazenamento em cisternas. Com essa configuração, esse sistema foi se espalhando pelo Mediterrâneo.

A tecnologia de filtragem evolui e em 1804 na Escócia, John Gibbs utiliza pela primeira vez a filtragem lenta na areia. Em 1820, o sistema é implantado em Londres pela Chelsea Water Works Company, para filtrar a água poluída e turva do rio Tâmisa. Em 1832, é a vez dos Estados Unidos aplicarem esse tratamento as águas de Richmond, VA. Até então, os motivos de tratamento das águas eram apenas os aspectos estéticos.

Nos anos 1880, o cientista alemão Robert Koch demonstrou que as bactérias presentes na água poderiam causar doenças. As pesquisas continuaram nas cidades de Hamburgo e Altona que captavam água do rio Elba e em 1892 foi confirmada e eficiência dos filtros lentos de areia para remoção das bactérias. Daí sua utilização se espalhou pelo mundo afora.

Esse sistema foi utilizado nos Estados Unidos até os anos 1910. Logo entrou em desuso devido a fatores como o crescimento das cidades, a necessidade de grandes espaços físicos para a construção de novas estações de tratamento de água e a chegada de novas tecnologias mais compactas, como os filtros rápidos de areia e os tratamentos físico-químicos. Porém, devido a facilidade com que retêm micro-organismos, baixo custo de implantação e fácil operação, os filtros lentos de areia estão de volta e se mostram muito úteis para pequenas comunidades afastadas dos grandes centros e que precisam adequar seu saneamento as metas do país.


Aplicação dos FLAs:

Os filtros lentos podem tratar água da chuva captada nos telhados para ser utilizada em piscinas, lavagem de roupas, carros, etc. Também podem tratar águas de fontes, lagos e cisternas para fins potáveis. Eles podem ser instalados no ponto de uso de residências, para abastecimento público, comercial ou industrial.

São considerados limites de utilização dos FLAs, a turbidez da água a ser tratada que se aproxima de 10 ppm e a contagem de 2.000 bactérias por ml. Nesses casos, são adotadas taxas de filtração em torno de 3,0 m³/m².dia.

Conforme indicado na página 871 da 2ª edição de “Técnica de Abastecimento e Tratamento de Água” – CETESB, os filtros lentos de areia têm capacidade de remoção de 100% de turbidez, 96% de bactérias, 60% de ferro e entre 20 e 30% de cor. Outras literaturas apontam para a capacidade de remoção de até 99% de bactérias.


Processo:
A filtração lenta é muito atrativa para fornecer água potável a pequenas comunidades afastadas das redes de distribuição. Além de ser de fácil construção, operação e manutenção, sua implantação é de baixo custo e produz água pouco corrosiva por não necessitar de coagulantes e produtos químicos em seu processo de tratamento.

São conhecidos vários tipos de filtros lentos de areia. Entre eles, temos os de fluxo descendente ou convencionais, os de fluxo ascendente, os filtros lentos dinâmicos – este utilizado quando necessário como uma etapa da filtração em múltipla etapa antecedendo os pré-filtros, que por sua vez antecedem os filtros lentos.

Lembrando que para a Ilha da Vitória, dimensionamos um sistema de filtração em múltipla etapa, constituído de filtros lentos dinâmicos que seriam alimentados pelos lagos e fontes da vila, seguido de pré-filtro e filtro lento descendente. O propósito foi o de minimizar os picos de turbidez das águas superficiais existentes no local antes de sua chegada ao filtro lento de areia. Para finalizar e garantir a potabilidade, seria adicionado um sistema de filtragem com carvão de bambu, caso as análises de controle de qualidade da água tratada determinem sua necessidade.



Para nosso projeto, escolhemos a filtragem lenta descendente porque esse sistema desenvolve um biofilme na superfície da areia do filtro que auxilia na máxima remoção de bactérias, vírus e cistos. Esse biofilme, conhecido como schmutzdecke, vai se formando durante o período inicial de cada campanha do filtro, que dependendo da vazão e qualidade da água, vai de 10 a 20 dias de operação. A água processada nesse período só pode ser usada para fins não potáveis.

O schmutzdecke se constitui de bactérias, fungos, protozoários, rotíferos e uma gama de larvas de insetos aquáticos. Conforme o biofilme envelhece, mais algas se desenvolvem e aparecem também organismos aquáticos maiores como bryozoa, caracóis e anelídeos.

É essa camada - também chamada área de coesão - que proporciona a purificação efetiva para produção de água potável. A areia fina subjacente serve como meio de suporte para essa camada de tratamento biológico. Conforme a água passa pelo schmutzdecke, as partículas de matéria estranha ficam presas na matriz de mucilagem e o material orgânico solúvel é adsorvido. Assim os contaminantes são metabolizados pelas bactérias, fungos e protozoários que reduzem em até 99% a contagem de células bacterianas da água processada. Fe, Mn e Si também ficam retidos nessa camada.

Existem outras duas zonas de filtração biológica chamadas autotrófica e heterotrófica. Na primeira, que fica logo abaixo da camada de coesão, ocorre a síntese de matéria orgânica a partir de substâncias simples com H2O e CO2, com fornecimento de O2. Na segunda, que se estende até 40 cm abaixo na areia fina, ocorre a mineralização e a conversão da matéria orgânica em H2O, CO2, nitratos e fosfatos.

Cada campanha do filtro pode durar entre 4 e 6 meses. O momento de limpeza do leito do filtro pode ser definido como aquele em que a taxa de filtração projetada exija a total abertura da válvula de regulagem na saída do equipamento ou através da perda de qualidade da água tratada detectada por análise regular.

O processo de limpeza exige o corte de alimentação, drenagem do sobrenadante e da água até 10 cm abaixo no leito de areia. Isso feito, procede a retirada do schmutzdecke desaguado junto com 2 a 4 cm da camada superior do leito de areia. Terminada a etapa de limpeza, o filtro pode ser realinhado para nova campanha que se inicia com o período de formação do novo biofilme.

A eficiência da filtragem lenta com areia depende do correto dimensionamento do sistema, da adaptação às particularidades do local onde será implantada e de um bom planejamento operacional e de manutenção periódica, que exige apenas atenção e capricho dos responsáveis.

O espaço de nosso blog não nos permite abrir mais o leque de detalhes técnicos. Porém, se o leitor desejar, poderá obter informações mais completas em Slow Sand Filtration, de L. Huisman. Também poderá interagir conosco, através de e-mail, telefone ou mesmo fazer comentários nesta página. Fique à vontade e até a próxima.


José Leonardo Cardoso
Diretor Técnico da Biotrakti


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