domingo, 30 de setembro de 2018

O Planejamento Urbano e o Aproveitamento das Águas Pluviais


A busca por alternativas à água potável, vem estimulando o uso das águas pluviais. A mesma água que ainda hoje extravasa por galerias para fora dos centros urbanos, arrastando consigo contaminantes e todo tipo de detritos, nos interessa muito como recurso hídrico possível de gerar grande economia ao país.

A forma como lidamos com as águas pluviais urbanas passou a ser questionável, pois além de desperdiçar um grande recurso que temos à disposição, ainda deixa de amenizar os danos ambientais causados pelas enchentes nas cidades que não param de crescer. É nesse ambiente que surgem as primeiras grandes inovações na gestão dessas águas.

No ano passado, com a Lei das Águas – Lei nº 9.433/97 - completando 20 anos, o Diário Oficial da União do dia 31 de outubro, publicava a Lei nº 13.501/2017 para acrescentar novo objetivo à Politica Nacional de Recursos Hídricos. A partir daí o incentivo e promoção a captação, preservação e aproveitamento das águas pluviais se juntou aos outros três objetivos já existentes em nossa política de recursos hídricos, a saber: 1) assegurar à atual e futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; 2) garantir a utilização racional e integrada dos recursos hídricos visando o desenvolvimento sustentável; e 3) prevenir eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.

Essa alteração na lei prevê a promoção de iniciativas de uso das águas pluviais em atividades domésticas, agrícolas, urbanas e industriais. O Brasil já tem um histórico de significativo sucesso em iniciativas de manejo de água da chuva na região do semiárido, que conta com seus tradicionais caldeirões, barreiros, cacimbas, açudes e mais recentemente com o eficiente Programa Um Milhão de Cisternas para as comunidades rurais.  Porém falta planejamento para utilização da água da chuva nos grandes centros urbanos.

Essa carência se deve ao fato de que os sistemas tradicionais de drenagem das águas pluviais urbanas em todo o mundo, foram projetados apenas para fazer o escoamento das chuvas, a fim de evitar alagamentos, danos a propriedade e interferência das enxurradas no tráfego de pedestres e veículos. Nessas considerações, não nos importa agora avaliar a eficiência desse tipo de infraestrutura. Apenas queremos lembrar que esse sistema foi implantado numa época em que as cidades não eram tão grandes e a água ainda era considerada um bem infinito, podendo, portanto, ser dispensada mais adiante, sem maiores considerações.

Mas os tempos estão mudando, como diria Mr. Zimmerman. Os padrões climáticos estão se alterando em todo o mundo e os reservatórios de água estão se esgotando. Precisamos encontrar novas fontes e a melhor maneira de se conseguir isso dentro de nosso ambiente urbano é através da utilização da água da chuva, entre outras formas como podemos ver na palestra proferida no TED pelo engenheiro David Sedlak.

É necessário repensar nosso planejamento urbano. As cidades impermeabilizaram os sistemas naturais de infiltração de água da chuva que abastecem os aquíferos. Essa água que cai ainda limpa, não sendo absorvida pelo solo, vai se acomodar nas regiões de várzeas indevidamente ocupadas. Durante seu escoamento pela pavimentação, ela vai acumulando bactérias, metais pesados, pesticidas, plásticos, óleo, etc. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) estima que as águas pluviais contribuem com 20% da poluição dos rios e 45% da poluição dos estuários.

O arquiteto Rinaldo Veseliza, no artigo How We Can Better Plan Our Cities to Utilize Stormwater cita três soluções de aproveitamento da água da chuva. A mais simples, conhecida como “ruas verdes” que aproveitam a drenagem natural em valetas de drenagem, permitindo que a água seja absorvida e filtrada pelo solo.  As outras são o uso de pavimentação permeável e de unidades de reciclagem e escoamento. Como exemplo de reciclagem dessas águas, Veseliza cita a cidade americana de Santa Mônica que foi a primeira daquele país a ter uma unidade de tratamento e hoje produz diariamente 1,9 milhão de litros através de sistemas modulares.

Outro grande exemplo é Singapura. A cidade-nação, que não tem aquíferos ou grandes rios para abastecer seus 5 milhões de habitantes, apostou em tecnologias de reúso e reciclagem de água. Singapura tem dois sistemas separados para coleta de água da chuva e de águas servidas. A água da chuva é coletada por um grande sistema de drenos, canais, rios, lagoas de coleta e reservatórios, para depois ser tratada até se tornar água potável.

Hoje em Singapura, a água reciclada e a água dessalinizada correspondem aproximadamente a 50% de seu consumo, porém novos investimentos poderão elevar para 80% no futuro. As outras duas fontes para consumo são as captações locais e a importação de água. Leia mais em O QUE PODEMOS APRENDER COM A ESTRATÉGIA HÍDRICA DE SINGAPURA.

Outros países como Alemanha, Japão e Israel também fazem bom aproveitamento das águas pluviais em suas principais cidades. Após tratamento, a utilizam para descargas, lavagem de roupas, combate a incêndio e outros usos gerais.

Nas cidades brasileiras, não temos nada de relevante para aproveitamento dessas águas. Nossos governos têm se preocupado mais com a gestão do nível das represas, com a importação de água de outras bacias e com os famosos piscinões, a exemplo do Rio de Janeiro e da Grande São Paulo.

Só a cidade de São Paulo tem 22 piscinões para armazenamento das águas pluviais, cuja única função é a de minimizar o efeito das enchentes. Os especialistas apontam para a necessidade de se planejar em adição a esse sistema de macrodrenagem, outros sistemas de armazenamento na escala de microbacias; isso possibilitaria o aproveitamento da água e o controle da poluição difusa, além de favorecer a recarga dos aquíferos. Essa é uma proposta que pode muito bem ser aplicada também em cidades menores, como as do Vale do Paraíba, cujo processo de urbanização já apresenta problemas significativos com relação a gestão dos recursos hídricos.

Os projetos de aproveitamento das águas pluviais poderiam ser pensados para inicialmente produzir água para usos menos nobres, como limpeza de ruas, de carros, descargas, irrigação, serviços de obras, etc. Isso por si só, já pagaria os gastos iniciais dos projetos. Uma vez disponibilizada de maneira adequada a captação e acondicionamento dessas águas, com mais recursos, numa segunda etapa, seria possível dar novos passos e evoluir para o fornecimento de água potável no futuro, com aplicação de tecnologias modernas de tratamento, como a ultrafiltração e a osmose reversa.

Por mais difícil que pareça e por mais caro que possa ser, este ainda é o caminho. Hoje sabemos que a água que não é aproveitada, se torna problema, gerando despesas gigantescas para os cofres públicos. Mas isso pode ser revertido e o problemão virar solução. Pense nisso!

José Leonardo S. Cardoso
Diretor Técnico da Biotrakti

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