quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Valorização das Águas Residuárias

As águas residuárias são consideradas hoje, um valioso recurso hídrico complementar. Seu tratamento e reúso já atendem parte da crescente demanda do abastecimento deficitário de água de pelo menos 50 países, e na agricultura global corresponde a 10% de todas as terras irrigadas.

No Brasil, as costumeiras secas no semiárido, os problemas de poluição aquática, a baixa vazão dos mananciais das grandes metrópoles e, mais recentemente, a crise hídrica de São Paulo em 2014, têm nos impulsionado na busca de alternativas para aproveitamento de águas pluviais e para aplicação de tecnologias de reúso de águas residuárias que possam reduzir a demanda sobre nossos recursos hídricos naturais.


Essas questões fazem surgir novos projetos, novas resoluções e medidas de conservação dos recursos hídricos e de aumento da eficiência do consumo de água potável. Daí, também começam a ser implantados alguns sistemas de tratamento e reúso seguro para redução da proporção de águas residuárias não tratadas e minimização da escassez de água de abastecimento, como veremos mais adiante.

Essa é a dinâmica que contém em si, a valorização das águas residuárias. Porém, o jogo está apenas começando e para avançar, precisa de antemão, da total aceitação social, conforme argumenta a diretora-geral da UNESCO, Irina Bokova, no Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2017: “O envolvimento dos cidadãos em todos os níveis do processo decisório promove o comprometimento e a responsabilidade social. Isso inclui decisões sobre quais tipos de instalações sanitárias são desejáveis e aceitáveis, e sobre como elas podem ser financiadas e mantidas com segurança no longo prazo”.

Por sua vez, iniciativas de âmbito institucional, de infraestrutura e financiamento de projetos em prol do reúso começaram a tramitar pelo Congresso Nacional. O Ministério das Cidades tem planos de criar uma Política Nacional de Reúso de Água; em dezembro último, a Comissão do Meio Ambiente da Câmara aprovou a inclusão do reúso da água nos fundamentos da Política Nacional de Recursos Hídricos - falta análise da Comissão de Constituição e Justiça (A Voz do Brasil – 26/12/2017). Em São Paulo foi promulgada a Resolução conjunta SES/SMA/SSRH nº 01/2017 sobre reúso direto não potável de água, para fins urbanos, proveniente de ETE, porém sob critérios restritos demais, que por enquanto, inviabilizam o reúso.

 A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) também contribuiu apresentando propostas de alteração da Lei Federal de Saneamento Básico, com o intuito de incentivar o investimento na construção de plantas que tratem os esgotos para produção de água de reúso de qualidade, periodicidade e preço compatíveis com a demanda. Veja isso e muito mais em Juntos pela Água.

O governo federal está concluindo o Programa Interáguas, que desenvolve estudo para ampliar o reúso de efluentes sanitários, principalmente para os setores industrial e agrícola. A meta é elevar de 2 para 10 m³/s a produção de água de reúso até 2030.

Em todo o país, já existem diferentes projetos de reúso de efluente sanitário em funcionamento. Muitas ETEs reutilizam seu efluente tratado e desinfetado para serviços operacionais, como por exemplo, a ETE Dancing Days, no Recife, que o utiliza para desobstruir as redes de esgoto. Como projeto de reúso indireto, temos a construção de uma captação de água do Lago Paranoá, em Brasília, para produção de água de abastecimento humano para uso interno na Caesb. A própria Caesb opera duas ETEs que descartam seus efluentes tratados no referido lago.

Devemos destacar também, o maior projeto de água de reúso do hemisfério Sul. Trata-se do Aquapolo, que foi criado para abastecer o Polo Petroquímico de Capuava, em Mauá-SP e outras empresas da região do ABC paulista. O projeto deu muito certo e, além de aumentar a oferta de água potável para a região metropolitana de São Paulo, também se tornou uma solução economicamente viável para as indústrias envolvidas, que deixaram de usar mensalmente 900 milhões de litros de água potável, baixando pela metade os gastos com esse insumo. A todo esse sucesso do projeto, ainda devemos acrescentar a significativa redução do passivo ambiental que deixa de ir para o corpo hídrico. O projeto Aquapolo continua crescendo e atraindo outras grandes indústrias da região. Veja mais detalhes em REÚSO DE ÁGUA GANHA ESPAÇO PARA CRESCER NO BRASIL.

Como já dito anteriormente, a valorização das águas residuárias é um jogo que está apenas começando em nosso país, porém, que já apresenta resultados muito interessantes. O Brasil começou a ampliar suas estratégias para resolver os problemas de saneamento e de gestão dos recursos hídricos, apoiado pelo avanço das pesquisas e pelo desenvolvimento de tecnologias para tratamento avançado e de reúso das águas residuárias. Mas para alavancar as inúmeras iniciativas que estão ainda por vir, é necessário que haja também uma maior conscientização e envolvimento dos cidadãos.

Daí a necessidade de uma melhor educação ambiental e de ampla aceitação social dos projetos de reúso das águas residuárias. Aqui cabe reproduzir uma observação feita por nosso amigo e colaborador desta coluna, David C. Meissner, durante sua participação no 256th American Chemical Society National Meeting, que ocorreu em Boston na semana passada: David relata que para melhorar a aceitação da ideia de usar ou reusar o esgoto tratado, os americanos estão mudando o foco para os recursos de recuperação, sem mencionar águas residuais ou esgoto. Assim as Estações de Tratamento de Efluentes passam a ser Instalações de Recuperação de Recursos Hídricos.

É muito importante que se perceba que a água residual despejada no meio ambiente está deixando de ser um problema caro e difícil de lidar para se tornar um valioso recurso hídrico complementar. Essa mudança de paradigma precisa envolver toda a sociedade brasileira, desde o cidadão comum até os altos escalões do governo, para que as metas ambientais possam ser alcançadas o mais breve possível e para que o país tenha sustentabilidade para continuar crescendo.


Autor: José Leonardo Cardoso
Diretor Técnico da Biotrakti

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