terça-feira, 26 de setembro de 2017

Público ou Privado?

Prós e contras da privatização do tratamento de água e do esgoto doméstico.

Sempre que a discussão menciona os filósofos gregos Sócrates e Platão, meus olhos espreitam e minha voz interior diz: "Aqui vem um pensamento difícil". Entretanto, recentemente a coluna de João Pereira Coutinho publicada no jornal Folha de S. Paulo em 17 de setembro de 2017 com o título “Em defesa das causas perdidas” traz considerações interessantes e compreensíveis. Ao analisar a diferença entre as filosofias de Sócrates e Platão, Coutinho identificou Sócrates como um "radical conservador" e Platão como um "conservador radical". Ainda em sua abordagem o autor aponta que Platão sempre nos diz “o que pensar”, enquanto Sócrates nos mostra “como pensar”. Sócrates acreditava no conhecimento, é claro, mas não nas exposições presunçosas e arrogantes oferecidas pelo pensamento político tanto da direita quanto da esquerda “radical”.

Mas, então o que essas considerações têm a ver com o título do artigo aqui apresentado?

No Brasil, e em menor medida nos EUA, as discussões sobre o papel da iniciativa privada na prestação de serviços públicos coletivos, como energia, comunicação, transporte e tratamento de água e resíduos podem se tornar muito estridentes e agressivas. Em geral, ocorre uma forte polarização em relação a essa questão e, observam-se posições radicalmente contrárias ou radicalmente favoráveis a toda forma de “privatização” destes serviços. Entretanto, seguindo as ideias defendidas por Sócrates é preciso pensar sobre o tema de forma isenta, ponderando tanto sobre seus riscos como também sobre as oportunidades potencialmente boas trazidas pela privatização, particularmente em relação ao tratamento da água e de esgotos domésticos.


Primeiro deixe-me esclarecer o meu ponto de partida. E por favor, não pare de ler apenas por causa das palavras que uso. Assim a palavra "liberal" na língua portuguesa pode ser corretamente traduzida como "conservador". Entretanto, um "liberal" em inglês provavelmente é traduzido como um progressista. Portanto, revisando meus sentimentos, pensamentos e ações, e minha história pessoal, eu me descreveria como um liberal progressista. Para analisar um tema eu não parto de dogmas pré-estabelecidos, procuro considerar os estudos científicos que existem a respeito das questões que envolvem o tema.  Também, o professor e linguista americano Noam Chomsky definiu que a anarquia é uma forma de autoridade legítima. Então, nesse sentido, eu gosto de me descrever como um anarquista. Chomsky, enfatiza a legitimação de qualquer autoridade e que para mim, deverá ser baseada no conhecimento derivado da utilização do método científico de pesquisa e com resultados reprodutíveis.

Por essa razão, na presente reflexão vou recorrer a alguns autores que já analisaram a questão da privatização do tratamento da água.

Partindo de um estudo realizado por Elisa Meyer, em Privatization Of Water Treatment In The U.S., observa-se que a análise sobre a privatização do serviço de tratamento de água requer muitas ponderações. Se você também tem dúvidas quanto à melhor opção de tratamento de água, sugiro que leia o artigo da autora. São apenas três páginas! Mas, novamente, para nosso próprio benefício - meu e seu caro leitor - vou resumir e comentar os principais pontos e informações apresentados por Meyer. A autora apresenta inicialmente quatro tipos comuns de privatização que são considerados como opção para o tratamento da água nos EUA:

1.       Terceirização de serviços de suporte a serviços públicos para empresas privadas;
2.       As empresas privadas operam e gerenciam obras de tratamento público;
3.       Contratos de projetos de construção e operação;
4.       Venda de ativos de água de propriedade do governo para empresas privadas.

Segundo a autora, somente na quarta opção, todos os riscos e a responsabilidade são transferidos para uma empresa privada. Meyer ainda no artigo ao analisar as razões para não privatizar os sistemas de tratamento de águas, aponta os seguintes motivos:

1. Redução da responsabilidade pública: as empresas privadas podem ser tão "lucrativas" que não agem no melhor interesse do público;

2. Impacto para famílias de baixa renda: a incapacidade de pagar serviços de água e a falta de envolvimento do governo podem afetar as famílias de baixa renda;

3. Taxas mais elevadas: os dados de países e estados que privatizaram o tratamento da água tendem a apoiar a ideia de que a água privatizada atinge um custo maior de utilidade para os cidadãos;

4. Falta de preocupação com questões locais: as empresas com capital para investir em operações de água são muitas vezes nacionais ou internacionais, com interesses correspondentes. Para a autora as empresas citadas por escândalo na França, são operadoras mundiais;

5. Redução de benefícios para os trabalhadores: um relatório de 2009, Water Privatization Threatens Workers, Consumers and Local Economies, publicado pela Food and Water Watch,  mostra que os benefícios, a cobertura do seguro de saúde e a adesão ao sindicato caíram ou foram significativamente menores nas estações de tratamento de água de manejo privado do que naquelas executadas publicamente. Esse relatório aponta que essas mudanças afetam a economia em geral, impactando-nos.

Estudando e avaliando os cinco itens contra a privatização apontados por Meyer sinto que tudo pode ser minimizado com o controle e regulamentação do governo. Aliás, a própria autora menciona um artigo de Rubenstein (2000), THE UNTAPPED POTENTIAL OF WATER PRIVATIZATION, que avalia que a regulamentação do governo é sempre necessária, particularmente no que diz respeito ao tratamento da água.

Em relação às razões favoráveis a privatização dos sistemas de tratamento de águas, Meyer aponta os seguintes motivos:

1. Eficiência: os contratantes privados de água são motivados a maximizar a eficiência para maximizar o lucro, enquanto as operações administradas pelo governo não têm essa preocupação;

2. Segurança da água: uma vez que as empresas privadas são responsáveis pela segurança e qualidade da água, elas são motivadas para garantir a segurança;

3. Benefícios financeiros: dependendo do acordo, o pagamento antecipado das empresas que alugam ativos da cidade pode ser uma excelente fonte de fundos para o governo reinvestir;

4. Redução dos custos do setor público: a contratação de serviços de água a empresas privadas reduz a quantidade de salários, benefícios, compensação de trabalhadores e outras despesas que devem ser pagas para os funcionários públicos;

5. Especialização: alguns advogados argumentam que os empreiteiros privados trazem empregados mais especializados e conhecimento para as operações de água do que as operadoras públicas;

6. Menos burocracia: o governo pode ser lento, burocrático e ineficiente, devido a regulamentos e à falta de responsabilidade direta. Isso geralmente não é o caso dos contratados privados.

Essas seis razões a favor do serviço privatizados para o tratamento de água apontados por Meyer podem ser facilmente comparadas com as cinco razões contra a privatização. A solução para maximizar as seis e minimizar as cinco seria criar uma organização responsável pela supervisão e regulação de empresas privadas. Gostaria de acrescentar que esta supervisão deveria ser realizada no nível mais local possível, incluindo o máximo de contato direto com a população servida. No entanto, isso me parece longe de ser facilmente alcançado, particularmente no Brasil.  

Também, um estudo interessante de Andrea Kopaskie sobre como os Estados Unidos administram e operacionalizam o seu sistema de água pode ser encontrado no Blog de Finanças Ambientais. Este blog tem uma legenda que provoca muitas reflexões a respeito: "Como você paga é importante". Segundo o estudo de Kopaskie, mesmo nos EUA, que valoriza o capitalismo e a privatização dos serviços apenas cerca de 12% da população nacional é servida por sistemas de tratamento de água com controle privado. O estudo termina com uma advertência sobre toda a discussão que realizamos, apontando que: "A eficiência, o custo e as margens de renda são questões de debate, e é difícil dizer que tipo de opção - pública ou privada - é necessariamente melhor para a sociedade".

Então, depois de todas essas reflexões, o que eu penso? Aqui apresento duas conclusões pessoais sobre como e porque o serviço de tratamento de água deveria ou não ser privatizado.  

Primeiro eu não me basearia em um argumento de tipo "nacionalista", ou seja, só porque o controle é estatal ele é melhor, ou que o controle estatal é uma necessidade.

Segundo, eu votaria em FAVOR de propostas que possam mostrar uma experiência real contínua com resultados de baixo custo e eficiente, não só operacionalmente, mas também em termos de retorno social. Eu acredito que o serviço oferecido pelo Estado ou pela iniciativa privada, precisa ser muito supervisionado pelos próprios usuários. Entretanto, a forma desta supervisão depende de implementação de sistema bem regulamentado pelo governo.

Enfim, acrescentando as reflexões aqui colocadas gostaria de enfatizar que o custo da água deve ter um valor real, sem subsídios. Defendo essa ideia porque ao subsidiar o custo da água para os menos afortunados, também estaríamos subsidiando a população mais abastada. Além disso, um custo menor que o valor real da água induz ao desperdício por parte de todos os usuários. O argumento de que a população de baixa renda não consegue arcar com o custo da água deve ser resolvida com melhores salários, ou com programas especiais de complementação de renda familiar.

É importante deixar claro que acredito fortemente na redução das desigualdades sociais e econômicas entre os indivíduos que compõe uma sociedade. Parece-me que o objetivo da sociedade é promover oportunidades iguais em educação, saúde, moradia, segurança, etc. No entanto, este não é o lugar para definir o que é "justiça social" e como ela deve ser alcançada.


Esses são meus sentimentos sobre o assunto.


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