Prós
e contras da privatização do tratamento de água e do esgoto doméstico.
Sempre que a discussão menciona
os filósofos gregos Sócrates e Platão, meus olhos espreitam e minha voz
interior diz: "Aqui vem um pensamento difícil". Entretanto, recentemente
a coluna de João Pereira Coutinho publicada no jornal Folha de S. Paulo em 17
de setembro de 2017 com o título “Em defesa das causas perdidas” traz
considerações interessantes e compreensíveis. Ao analisar a diferença entre as
filosofias de Sócrates e Platão, Coutinho identificou Sócrates como um
"radical conservador" e Platão como um "conservador
radical". Ainda em sua abordagem o autor aponta que Platão sempre nos diz “o
que pensar”, enquanto Sócrates nos mostra “como pensar”. Sócrates acreditava no
conhecimento, é claro, mas não nas exposições presunçosas e arrogantes
oferecidas pelo pensamento
político tanto da direita quanto da esquerda “radical”.
Mas, então o que essas
considerações têm a ver com o título do artigo aqui apresentado?
No Brasil, e em menor medida nos
EUA, as discussões sobre o papel da iniciativa privada na prestação de serviços
públicos coletivos, como energia, comunicação, transporte e tratamento de água
e resíduos podem se tornar muito estridentes e agressivas. Em geral, ocorre uma
forte polarização em relação a essa questão e, observam-se posições radicalmente
contrárias ou radicalmente favoráveis a toda forma de “privatização” destes
serviços. Entretanto, seguindo as ideias defendidas por Sócrates é preciso
pensar sobre o tema de forma isenta, ponderando tanto sobre seus riscos como também
sobre as oportunidades potencialmente boas trazidas pela privatização,
particularmente em relação ao tratamento da água e de esgotos domésticos.
Primeiro deixe-me esclarecer o
meu ponto de partida. E por favor, não pare de ler apenas por causa das
palavras que uso. Assim a palavra "liberal" na língua portuguesa pode
ser corretamente traduzida como "conservador". Entretanto, um
"liberal" em inglês provavelmente é traduzido como um progressista.
Portanto, revisando meus sentimentos, pensamentos e ações, e minha história
pessoal, eu me descreveria como um liberal progressista. Para analisar um tema
eu não parto de dogmas pré-estabelecidos, procuro considerar os estudos
científicos que existem a respeito das questões que envolvem o tema. Também, o professor e linguista americano Noam Chomsky definiu que
a anarquia é uma forma de autoridade legítima. Então, nesse sentido, eu gosto
de me descrever como um anarquista. Chomsky, enfatiza a legitimação de qualquer
autoridade e que para mim, deverá ser baseada no conhecimento derivado da
utilização do método científico de pesquisa e com resultados reprodutíveis.
Por essa razão, na presente
reflexão vou recorrer a alguns autores que já analisaram a questão da
privatização do tratamento da água.
Partindo de um estudo realizado
por Elisa Meyer, em Privatization Of Water Treatment In
The U.S., observa-se que a análise sobre a privatização do serviço
de tratamento de água requer muitas ponderações. Se você também tem dúvidas
quanto à melhor opção de tratamento de água, sugiro que leia o artigo da
autora. São apenas três páginas! Mas, novamente, para nosso próprio benefício -
meu e seu caro leitor - vou resumir e comentar os principais pontos e
informações apresentados por Meyer. A autora apresenta inicialmente
quatro tipos comuns de privatização que são considerados como opção para o
tratamento da água nos EUA:
1.
Terceirização de serviços de suporte a serviços
públicos para empresas privadas;
2.
As empresas privadas operam e gerenciam obras de
tratamento público;
3.
Contratos de projetos de construção e operação;
4.
Venda de ativos de água de propriedade do
governo para empresas privadas.
Segundo a autora, somente na
quarta opção, todos os riscos e a responsabilidade são transferidos para uma
empresa privada. Meyer ainda no artigo ao analisar as razões para não
privatizar os sistemas de tratamento de águas, aponta os seguintes motivos:
1. Redução da responsabilidade pública: as empresas privadas podem ser
tão "lucrativas" que não agem no melhor interesse do público;
2. Impacto para famílias de baixa renda: a incapacidade de pagar
serviços de água e a falta de envolvimento do governo podem afetar as famílias de
baixa renda;
3. Taxas mais elevadas: os dados de países e estados que privatizaram
o tratamento da água tendem a apoiar a ideia de que a água privatizada atinge
um custo maior de utilidade para os cidadãos;
4. Falta de preocupação com questões locais: as empresas com capital
para investir em operações de água são muitas vezes nacionais ou
internacionais, com interesses correspondentes. Para a autora as empresas
citadas por escândalo na França, são operadoras mundiais;
5. Redução de benefícios para os trabalhadores: um relatório de 2009, Water Privatization Threatens Workers, Consumers and
Local Economies, publicado pela Food and Water Watch, mostra que os benefícios, a cobertura do
seguro de saúde e a adesão ao sindicato caíram ou foram significativamente
menores nas estações de tratamento de água de manejo privado do que naquelas
executadas publicamente. Esse relatório aponta que essas mudanças afetam a
economia em geral, impactando-nos.
Estudando e avaliando os cinco itens
contra a privatização apontados por Meyer sinto que tudo pode ser minimizado
com o controle e regulamentação do governo. Aliás, a própria autora menciona um
artigo de Rubenstein (2000), THE
UNTAPPED POTENTIAL OF WATER PRIVATIZATION, que avalia que a regulamentação
do governo é sempre necessária, particularmente no que diz respeito ao
tratamento da água.
Em relação às razões favoráveis a
privatização dos sistemas de tratamento de águas, Meyer aponta os seguintes
motivos:
1. Eficiência: os contratantes privados de água são motivados a
maximizar a eficiência para maximizar o lucro, enquanto as operações
administradas pelo governo não têm essa preocupação;
2. Segurança da água: uma vez que as empresas privadas são
responsáveis pela segurança e qualidade da água, elas são motivadas para
garantir a segurança;
3. Benefícios financeiros: dependendo do acordo, o pagamento
antecipado das empresas que alugam ativos da cidade pode ser uma excelente
fonte de fundos para o governo reinvestir;
4. Redução dos custos do setor público: a contratação de serviços de
água a empresas privadas reduz a quantidade de salários, benefícios,
compensação de trabalhadores e outras despesas que devem ser pagas para os
funcionários públicos;
5. Especialização: alguns advogados argumentam que os empreiteiros
privados trazem empregados mais especializados e conhecimento para as operações
de água do que as operadoras públicas;
6. Menos burocracia: o governo pode ser lento, burocrático e
ineficiente, devido a regulamentos e à falta de responsabilidade direta. Isso
geralmente não é o caso dos contratados privados.
Essas seis razões a favor do
serviço privatizados para o tratamento de água apontados por Meyer podem ser
facilmente comparadas com as cinco razões contra a privatização. A solução para
maximizar as seis e minimizar as cinco seria criar uma organização responsável
pela supervisão e regulação de empresas privadas. Gostaria de acrescentar que
esta supervisão deveria ser realizada no nível mais local possível, incluindo o
máximo de contato direto com a população servida. No entanto, isso me parece
longe de ser facilmente alcançado, particularmente no Brasil.
Também, um estudo interessante de
Andrea Kopaskie sobre como os Estados Unidos administram e operacionalizam o seu
sistema de água pode ser encontrado no Blog
de Finanças Ambientais. Este blog tem uma legenda que provoca muitas
reflexões a respeito: "Como você
paga é importante". Segundo o estudo de Kopaskie, mesmo nos EUA, que
valoriza o capitalismo e a privatização dos serviços apenas cerca de 12% da
população nacional é servida por sistemas de tratamento de água com controle
privado. O estudo termina com uma advertência sobre toda a discussão que
realizamos, apontando que: "A eficiência, o custo e as margens de renda
são questões de debate, e é difícil dizer que tipo de opção - pública ou
privada - é necessariamente melhor para a sociedade".
Então, depois de todas essas
reflexões, o que eu penso? Aqui apresento duas conclusões pessoais sobre como e
porque o serviço de tratamento de água deveria ou não ser privatizado.
Primeiro eu não me basearia em um
argumento de tipo "nacionalista", ou seja, só porque o controle é estatal
ele é melhor, ou que o controle estatal é uma necessidade.
Segundo, eu votaria em FAVOR de
propostas que possam mostrar uma experiência real contínua com resultados de
baixo custo e eficiente, não só operacionalmente, mas também em termos de
retorno social. Eu acredito que o serviço oferecido pelo Estado ou pela iniciativa
privada, precisa ser muito supervisionado pelos próprios usuários. Entretanto,
a forma desta supervisão depende de implementação de sistema bem regulamentado pelo
governo.
Enfim, acrescentando as reflexões
aqui colocadas gostaria de enfatizar que o custo da água deve ter um valor
real, sem subsídios. Defendo essa ideia porque ao subsidiar o custo da água
para os menos afortunados, também estaríamos subsidiando a população mais
abastada. Além disso, um custo menor que o valor real da água induz ao desperdício
por parte de todos os usuários. O argumento de que a população de baixa renda
não consegue arcar com o custo da água deve ser resolvida com melhores salários,
ou com programas especiais de complementação de renda familiar.
É importante deixar claro que acredito
fortemente na redução das desigualdades sociais e econômicas entre os
indivíduos que compõe uma sociedade. Parece-me que o objetivo da sociedade é
promover oportunidades iguais em educação, saúde, moradia, segurança, etc. No
entanto, este não é o lugar para definir o que é "justiça social" e
como ela deve ser alcançada.
Esses são meus sentimentos sobre
o assunto.
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