Estamos em Jacareí,
o primeiro grande núcleo urbano situado as margens do Rio Paraíba do Sul, que
corre ao longo do vale formado entre as Serras do Mar e da Mantiqueira, no
estado de São Paulo. Está se aproximando o aniversário da cidade. São 366 anos
de história, momento propício para refletir sobre sua beleza, sua cultura, seu
acolhimento, seu desenvolvimento socioeconômico e os correspondentes impactos
ambientais, matéria que mais nos interessa neste blog. E é dentro dessa ótica,
que segue um resumo histórico que abarca desde a origem da cidade até os dias
atuais. Confira!
De uma localidade
em cujo mapa inicial podemos apenas tracejar as curvas do Rio Paraíba do Sul,
alguns de seus afluentes e as trilhas indígenas que ligavam as terras de São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, surge um ponto de parada para os
viajantes descansarem. Em 24 de novembro de 1653, essa paragem se torna a Vila
de N. S. da Conceição da Paraíba, atual Jacareí, a terceira cidade do Vale a se
formar e a décima terceira da Capitania de São Paulo, conforme registra
Benedicto Sérgio Lencioni em seu livro “Jacareí – Sua História”.
A vila começa a
crescer e antes de finalizar o século XVII, já temos uma interessante situação de
cunho ambiental. O barranco da margem direita do Rio Paraíba que passava atrás
da Igreja da Matriz começa a ser corroído pelas águas. Trata-se de um fenômeno
natural típico de rios de planície, mas os moradores amedrontados, recorrem ao
padre que, para acalmá-los, realiza um ato religioso com uma imagem de barro da
santa padroeira na beira do barranco. No final do ato, a imagem é jogada no rio
e afunda sendo levada pela correnteza. Só para constar, em 1717, próximo a
Guaratinguetá, alguns pescadores encontram uma imagem com ela parecida... mais
aí, já é outra história.
Bem mais à frente,
ainda com menos de 10.000 habitantes, mas depois que já era grande produtora de
café por mais de uma década, em 03 de abril de 1849, a vila é elevada à
categoria de cidade. A seguir, em 1850, Jacareí é tomada por uma grande
enchente e esse fato estimula os moradores a fazer um desvio no curso do rio. Assim, o trecho do rio que avançava em direção
a igreja se torna uma área vazia e baixa, que passa a ser conhecida como
“Esmaga Sapo”. Depois a região é aterrada e ocupada, resultando na atual Praça
dos Três Poderes, famoso cartão postal da cidade.
É nessa segunda
metade do século XIX, que surgem a primeira ponte (de madeira – 1858/1876) e a
segunda (de ferro, que substitui a primeira) que atende a cidade até 1930. Atualmente,
existem 7 pontes em nosso município; duas na zona urbana, duas em São
Silvestre, uma no Bom Jesus, outra na Rodovia Dutra, próximo ao Distrito do
Meia Lua e uma na Rodovia Carvalho Pinto. Para desafogar o trânsito na área
central da cidade, será construída a 3ª ponte urbana, que deverá ser entregue até
2020.
Ainda no final do
século XIX, começam a se intensificar os problemas decorrentes da urbanização
da cidade. Os produtores de café migram para o oeste paulista, deixando para
trás uma região com o solo esgotado. Nessa época, Jacareí, assim como todo o
Vale do Paraíba, sente forte impacto econômico devido a decadência de sua
agricultura e comércio.
Em 1893, a cidade
reage positivamente. É quando Lamartine Delamare cria o Colégio Nogueira da
Gama e injeta nova onda de progresso na cidade, revitalizando o comércio e
desenvolvendo as indústrias locais. Nessa fase, com a cidade alcançando a
contagem de 15.000 habitantes, surge a famosa Fábrica de Biscoitos de Jacareí, que leva o nome da cidade para todo o país,
através das vendas feitas na estação ferroviária.
Logo, Jacareí se
torna a primeira cidade do Vale a ter iluminação elétrica nas vias públicas. Em
1895, é criada a Cia. Luz Elétrica Jacareiense. Em 1910 passa a funcionar a
usina hidroelétrica. Depois o controle do sistema passa para a Cia de Luz e
Força Jacareí-Guararema, depois para a Light – Força e Luz, desta para a
Eletropaulo até chegar na atual Companhia Bandeirante.
Voltando ao Colégio
Nogueira da Gama. Para que o leitor perceba melhor sua importância para nossa
história, é bom que saiba que, em 1907 é implantado nesse colégio o primeiro
sistema de água encanada da cidade. O Colégio também traz destaque para
Jacareí, que fica conhecida como a Atenas Paulista, devido à presença de
intelectuais famosos que melhoraram o pensamento e a atitude da comunidade
local.
Seguindo a ordem
cronológica, vamos acrescentar que o livro ‘A História da Imprensa em Jacareí”
de Benedicto S. Lencioni, traz que o jornal “O Município” de 15 de março de
1914 registra o primeiro aviso público referente as práticas de
acondicionamento de lixo e das águas servidas para posterior remoção. Nessa
época, as residências ainda não têm pias nem abastecimento interno de água ou
banheiro - estes são feitos nos quintais
junto com uma fossa. Mais tarde, a importação de tubulações e acessórios da
Europa possibilita a chegada da água encanada. Em meados do século XX, os
melhoramentos nos serviços básicos de saneamento já atendem grande parte das
residências. O crescimento urbano não para, até que em 1976 é criado o SAAE
para resolver os problemas de falta de água no município. O SAAE continua conosco,
atuante, se modernizando com novas tecnologias e prestando seus serviços com
dedicação.
O jornal “A
Liberdade” de 7 de fevereiro de 1920 informa outra nova preocupação de caráter
ambiental. Refere-se ao impacto nas matas do entorno da cidade, causado pela
exportação de lenha e pelo seu uso tanto doméstico quanto para alimentação das
marias-fumaças da Central do Brasil, que por aqui transitavam desde 1876,
substituindo o transporte de mulas para escoar a produção de café da região.
A urbanização se
acelera com o crescimento da indústria têxtil, depois da inauguração da Rodovia
Rio-São Paulo em 1926 e se intensifica após a inauguração da Rodovia Presidente
Dutra em 1951 – conforme se vê em “Paraíba do Sul - História de um Rio
Sobrevivente” de Luís Patriani e Valdemir Cunha. Em 1949, Jacareí inicia a
extração e comercialização sistemática de areia do leito do Rio Paraíba. Em
1950, sua população já passa dos 27.000 e cresce continuamente até a década de
1990, em função das migrações nacionais, devido ao grande êxodo rural desse
período. Muitas indústrias ocupam as proximidades da Rodovia Presidente Dutra,
a exemplo do Grupo Simão que em 1958 instala uma fábrica de celulose sulfato de
eucalipto integrada a uma fábrica de papel em Jacareí. Nesse momento, o Brasil
ainda importa quase toda a sua demanda interna de celulose (A Evolução
Tecnológica do Setor de Celulose e Papel no Brasil, de Edison S. Campos e Celso
Foelkel).
A princípio, o resíduo
líquido resultante do processamento de celulose é descartado no rio. Os
moradores mais antigos ainda se lembram da enorme quantidade de espuma que
muitas vezes ultrapassava o piso da ponte N.S. da Conceição no início dos anos 1970.
No final dessa mesma década, o problema é solucionado, quando a fábrica investe
em tecnologias de recuperação da lixívia. Além de minimizar os impactos
ambientais que causava, isso resulta em grande economia no seu processo fabril,
com a recuperação da soda e enxofre utilizados nos digestores e geração de
energia para uso próprio.
Ainda em meados do
século XX, a valorização de terras na área central da cidade, inicialmente leva
as classes mais privilegiadas a ocuparem os morros em torno do centro e depois
as várzeas não mais inundáveis, após a construção da Represa de Santa Branca em
1960. É quando também começam a surgir os bairros populares distantes do centro.
É interessante registrar que, nesse período, a população se habitua a
frequentar a Prainha para se refrescar nas águas ainda limpas do Rio Paraíba.
Na década de 1970,
a construção das barragens de Paraitinga, Paraibuna e Jaguari modifica ainda
mais a dinâmica do Rio Paraíba do Sul. Os reservatórios das usinas
hidrelétricas de Paraibuna e Jaguari se tornam os principais reguladores das
vazões do rio, propiciando o controle de inundações e a derivação de parte das
águas para o Complexo Hidrelétrico de Lajes e abastecimento da Região Metropolitana
do Rio de Janeiro.
Alojamento da Barragem do Jaguari, na década de 1970. Arquivo do ex-morador do local, Sr. Mauro Kueka Bueno. |
Essas
interferências causam sérios impactos ambientais. Um deles é a diminuição do
aporte de sedimentos. Segundo Reis (2003), isso força a substituição de
extração de areia em leito pelo sistema de cava submersa a partir de 1973. Nessa
mesma época é criada a CETESB e implantado o controle ambiental para toda
atividade poluidora. A seguir, em 1997, o Instituto Geológico estabelece normas
técnicas, procedimentos de licenciamento e o zoneamento ambiental da mineração,
com limites de construção para áreas eminentemente arenosas, numa tentativa de
inibir os contínuos impactos negativos. Veja mais em História
Ambiental do Vale do Paraíba.
Outro importante impacto
dos barramentos do fluxo de água diz respeito aos peixes de piracema, quando as
fêmeas nadam rio acima para desovar. Para exemplificar, o peixe Salminus maxilosus,
popularmente conhecido como “dourado”, precisa nadar cerca de 500 km contra a
correnteza, até a exaustão para conseguir chegar ao estágio de reprodução.
Ocorre que, geralmente quando esses peixes encontram os barramentos, se lançam
contra suas paredes e acabam morrendo, resultando em expressiva diminuição de
seu cardume em nossas águas.
A cidade chega ao
ano 2000 com mais de 191.000 habitantes. A expansão urbano-industrial, como em
todas as outras cidades paulistas do eixo da Rodovia Presidente Dutra, continua
causando severos impactos ambientais. Uma vista aérea da cidade hoje, nos
mostra muitas várzeas aterradas e ocupações irregulares de áreas ciliares. Muitos
bairros - a exemplo do Jardim Flórida, que está numa área onde era uma
plantação de arroz - surgem assim. Lá na frente, a planície aluvial vai sendo
ocupada por diversas cavas ao longo das margens do Rio Paraíba para atender ao
mercado imobiliário com sua produção de areia, como se vê na região do Parque
Meia Lua. Os esgotos atingem os canais de drenagem natural das águas pluviais
ao longo do trecho urbano, a exemplo do Rio Turi, que necessitou de uma
gigantesca obra de saneamento para minimizar os impactos ao meio ambiente.
No primeiro plano, uma das grandes cavas existentes a margem do Rio Paraíba, na região do Distrito do Meia Lua. |
Dessa maneira, a
cidade segue crescendo. Hoje, Jacareí faz parte do Complexo Metropolitano
Expandido, que reúne 75% da população do estado. Com uma taxa de crescimento
anual de 1,84%, estima-se que a cidade tenha cerca de 240.000 habitantes. Com
um parque industrial com mais de 300 indústrias, e muitas outras chegando, o
município é a 28ª economia do estado de São Paulo.
Em meio a todo o
processo de contínua expansão econômica da região, fica claro que é de suma
importância a preocupação com a conservação e gestão responsável dos recursos
naturais que ainda nos restam. Lembrando que a represa do Jaguari, integrante
do Sistema Cantareira, irá disponibilizar parte de suas águas como alternativa
para subsidiar o abastecimento de 180 municípios da macrometrópole de São
Paulo.
Outra importante
questão a ser tratada com rigor é a universalização do saneamento básico do
município, cujas metas a serem alcançadas ainda irão exigir muito esforço de
nossos governantes e concidadãos. Conseguimos um grande avanço com relação ao
tratamento dos esgotos domésticos, porém ainda falta atingir a meta planejada. Por
outro lado, apesar de termos uma boa prática de gestão de resíduos sólidos, com
LEVs, reaproveitamento, aterro sanitário e mais recentemente uma usina de
biodigestão, ainda falta a conscientização da população quanto ao manejo
correto desses resíduos que normalmente são dispensados em vias públicas, até
mesmo ao pé das placas de aviso “Proibido Jogar Lixo ou Entulho – Área
Monitorada - Sujeito a Multa”. Isso vem de encontro a outra situação crítica
que é o sistema de drenagem da cidade que se entope de lixo, causando
transtornos em períodos de chuva nas áreas mais baixas e de escoamento
precário.
Entretanto, apesar
das muitas dificuldades existentes, sabemos que com determinação e coragem,
sempre será possível dar o próximo passo e marcar outros tantos pontos
positivos na história de nossa amada Jacareí. Esse momento da história também é
nosso e nele devemos concentrar esforços e exercer nossa cidadania para poder
seguir firmes em direção ao futuro melhor, mais sustentável, com mais qualidade
de vida a todos.
Parabéns Jacareí,
pelos seus 366 anos de história!
Autor:
José Leonardo da Silva Cardoso
Diretor
Técnico da Biotrakti
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